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Foto: Ablestock.com Os gregos antigos tentaram evitar as armadilhas do infinito. O geômetra Euclides, para dizer que a série de números primos é infinita, expressou-se da seguinte maneira: não existe um número primo que seja maior que todos. Já o filósofo Zenão de Eleia pôs o infinito no centro de um de seus famosos paradoxos: uma corrida disputada por uma tartaruga e Aquiles, em que o herói percorre distâncias cada vez menores, infinitamente, e, assim, embora mais rápido, nunca alcança o animal. Com o advento do cálculo numérico, o infinito passou a ser visto como mais uma ferramenta matemática - que prova com facilidade a vantagem de Aquiles sobre a tartaruga de Zenon. Em 1831, Karl Friedrich Gauss, o maior matemático de seu tempo, pôs a questão nos seguintes termos: "infinito é só uma maneira de falar". Mas décadas depois Georg Cantor apareceu com uma nova maneira de falar e demonstrou haver outros infinitos, uns maiores que outros. E não se trata da soma ou multiplicação de infinitos, que dá no mesmo. O infinito de Cantor, que ele chamou de c, é um conjunto que inclui números irracionais - aqueles que não podem ser expressos por frações, como a raiz quadrada de 2. A diferença entre os dois infinitos é que um é enumerável, e o outro, um contínuo de pontos - aliás, c pode ser imaginado como o número de pontos que cabem em uma superfície. Cantor é o emblema do matemático genial, místico e transtornado. Já famoso, foi tomado pela paranoia de que Francis Bacon foi quem escreveu as peças de Shakespeare. Sofreu inúmeras crises nervosas, acabou internado e morreu em um hospital psiquiátrico em 1918.
Foto: Andreas Rentz/Getty Images A razão áurea, proporção divina ou simplesmente fi foi descoberta pelos gregos na estrela de cinco pontas adorada pela Fraternidade Pitagórica e desde então cultuada por matemáticos e artistas. Comumente arredondada para 1,618, a razão áurea é o assunto do tratado 'A divina proporção', de 1509, de autoria de Lucas Pacioli, com direito a ilustração de Leonardo da Vinci. Conforme Pacioli e um sem número de adoradores, fi é uma mensagem divina e uma instrução de beleza. No século 19, Adolf Zeising não deixou por menos: fi é a lei universal que 'permeia, como supremo ideal do espírito, todas as estruturas, formas e proporções, cósmicas ou individuais, orgânicas ou inorgânicas, acústicas ou óticas; e que no entanto encontra sua mais plena realização na forma humana'. Fi surge também na mais famosa série númerica, a sequência de Fibonacci, em que cada número é a soma dos dois termos anteriores (0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13 etc). Na série, a razão entre cada número e seu antecessor (13/8, 21/13, 34/21 etc) aproxima-se progressivamente de fi, sem nunca alcançá-lo, uma vez que fi não tem fim. De girassóis a abacaxis, da reprodução de coelhos ao voo dos falcões, o mundo natural tem especial predileção pela série de Fibonacci, daí a aparente ubiquidade de fi.
Foto: Getty Images O zero é uma abstração fundamental da matemática que escapou a muitas culturas e ainda escapa ao chimpanzé Ai, famoso por suas habilidades matemáticas. Acabou inventado na Índia e levou, por extensão, à descoberta dos números negativos - impensáveis no mundo helênico, uma vez em que em sua compreensão espacial da matemática não fazia sentido um triângulo negativo ou um círculo nulo. Na Índia, zero era 'shunya', que também significava éter, ponto, furo e serpente da eternidade. No século VII, os indianos demonstraram que: uma fortuna (o número positivo) menos 'shunya' é uma fortuna; uma fortuna subtraída de 'shunya' é uma dívida (o número negativo); 'shunya' vezes uma fortuna ou uma dívida é 'shunya' etc. 'Shunya', cujo símbolo virou o círculo, foi adotado pelos árabes como 'zephyr' e ganhou publicidade na Europa em um dos mais famosos livros da história da matemática, Liber Abaci, de Fibonacci, de 1202. Na obra, Fibonacci demonstrou suas vantagens sobre os algarismos romanos para fins aritméticos (experimente multiplicar XXXIV por LXIII). A propósito, o primeiro capítulo de Alex no País dos Números é o 0...
Detalhe da capa de 'Alex no País dos Números'. Foto: Divulgação Em sua jornada, Bellos reúne vários argumentos em favor da tese de que os números são um artefato cultural, não uma aptidão inata. A exatidão numérica, argumentam especialistas, é uma construção simbólica. Damos respostas instantâneas para contar quantidades só até três ou quatro, mas daí em diante o cérebro demora a acertar - e muitas vezes erra. Isso porque o cérebro passa a trabalhar com aproximações. É a provável razão para que diversas culturas representem 1, 2 e 3 por uma, duas e três linhas (unidas ou não), e prefiram outros símbolos para números maiores. No inglês, thrice pode ser três vezes mas também pode ser muitas vezes. No francês, très é muito e trois, três. Muitas culturas, incluindo várias tribos indígenas, nunca foram além do 3 ou do 4. Não cunharam termos para 'exatamente 5' ou 'exatamente 9'. Privilegiaram as aproximações e as proporções. Em sua pesquisa, Bellos ouviu que a intuição humana, como a dos índios que só contam até 3, é logarítmica, não linear. É uma lógica que permite boas estimativas rápidas - como escolher a menor fila do supermercado. Só não ajuda muito na sala de aula.
Foto: Getty Images 'Seis não é perfeito porque Deus criou o mundo em seis dias; Deus é que aperfeiçoou o mundo em seis dias porque esse número é perfeito', escreveu no século IX o teólogo Rabanus Maurus. Do ponto de vista matemático, perfeitos são os números inteiros iguais à soma de seus próprios fatores. Seis é o primeiro da lista (1 + 2 + 3). Depois vem 28 (1 + 2 + 4 + 7 + 14), 496, 8.128 e o próximo da lista é só 33.550.336. Os números perfeitos já eram conhecidos dos gregos, e foi Euclides quem demonstrou sua relação com os números primos, dizendo que a 2n-1 X 2n - 1 será um número perfeito sempre que 2n - 1 for primo. Uma variação do número perfeito são os números sociais e os amigáveis. Amigável é um par de números em que a soma dos fatores de um é igual ao outro, como 220 e 284 (220 é divisível por 1,2,4,5,10,11,20,22,44,55 e 110, que somam 284, cujos fatores são 1,2,4,71 e 142, que somam... 220). Levou séculos até que se descobrisse um outro par de números amigáveis, o que coube ao célebre matemático francês Pierre de Fermat, que em 1636 encontrou os amigáveis 17296 e 18416. Números sociáveis seguem a mesma lógica, só que em 'turmas' maiores, em que cada membro é a soma dos fatores do seguinte.
Arte/VEJA Primo é o número natural (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 etc.) maior que 1 com só dois divisores: ele próprio e 1. Ou seja: 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17 etc. Há milênios Euclides demonstrou que a série é infinita. Mas isso não impediu que a caçada por primos cada vez maiores atravessasse os séculos. O desafio é que, quanto maior o primo, tantos mais números haverá para testá-lo. Para tanto, muitos matemáticos valeram-se de um método gerador de um certo tipo de número primo conhecido como primo de Mersenne, que equivale a 2n -1. Mas qual o n? Na era do lápis e papel, o primo mais alto conhecido era 2127-1. Atualmente, o recorde é 243112609 - 1, um numerão de quase 13 milhões de dígitos descoberto em 2008 por uma das primeiras redes bem sucedidas de computação compartilhada, em que várias máquinas conectadas pela internet 'racham' a conta. Aos interessados, há um prêmio de 250 milhões de dólares para quem achar um primo com 1 bilhão de dígitos. Mas não se apresse: os matemáticos já calcularam que isso só deve ocorrer por volta de 2025.
Foto: Paschoal Rodrigues Até a popularização do lápis e papel, os números eram comunicados por meio de intrincadas linguagens de sinais. No século 8, na Nortúmbria, território da atual Inglaterra, o teólogo Venerável Bede propôs um sistema de contagem que começava com os dedos da mão esquerda, para unidades e dezenas, e crescia de grandeza com o auxílio de movimentos das mãos até chegar em 1 milhão (reservando para o 90 mil uma imagem não muito casta: "agarre a virilha com a mão esquerda, com o polegar voltado para os genitais"). Já os Yupno, da Papua Nova Guiné, contam do 1 ao 33: começam no mindinho da mão esquerda, vão até 20 com o dedão do pé direito, chegam ao 30 no umbigo e terminam com o 33 no pênis. Os chineses até hoje conhecem uma técnica para contar até 9.999.999.999 tocando diferentes pontos de cada dedo da mão. "Dessa forma é possível contar todos os habitantes da Terra apenas com os dedos", escreve Bellos. "O que é uma forma de ter o mundo nas mãos."
Foto: Nasa Antigamente na Índia, números muito, muito grandes ou muito, muito pequenos eram uma questão ao mesmo tempo matemática e filosófica. Em um texto em sânscrito do século IV, Buda cunhou uma série de múltiplos de 100 que começa com koti (10 milhões) e termina com tallakshana, que é igual a um koti multiplicado 23 vezes por 100, ou, na notação moderna, 10 elevado a 53. Em seu livro, Bellos dá uma ideia do tamanho disso: equivale à medida do universo medido em metros elevada ao quadrado. E Buda foi além. Fala em outros seis sistemas progressivamente maiores e mais assustadores, sendo que o último termina em 10 elevado a 421. Outra comparação de Bellos: se multiplicarmos o número de átomos de todo universo por sua idade, medida segundo a menor unidade de tempo - o tempo de Planck, igual a um segundo dividido por 1043 -, chegaríamos a "apenas" 10140, o que ainda é absolutamente irrisório perto de 10421.
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Foto: Getty Images O zero é uma abstração fundamental da matemática que escapou a muitas culturas e ainda escapa ao chimpanzé Ai, famoso por suas habilidades matemáticas. Acabou inventado na Índia e levou, por extensão, à descoberta dos números negativos - impensáveis no mundo helênico, uma vez em que em sua compreensão espacial da matemática não fazia sentido um triângulo negativo ou um círculo nulo. Na Índia, zero era 'shunya', que também significava éter, ponto, furo e serpente da eternidade. No século VII, os indianos demonstraram que: uma fortuna (o número positivo) menos 'shunya' é uma fortuna; uma fortuna subtraída de 'shunya' é uma dívida (o número negativo); 'shunya' vezes uma fortuna ou uma dívida é 'shunya' etc. 'Shunya', cujo símbolo virou o círculo, foi adotado pelos árabes como 'zephyr' e ganhou publicidade na Europa em um dos mais famosos livros da história da matemática, Liber Abaci, de Fibonacci, de 1202. Na obra, Fibonacci demonstrou suas vantagens sobre os algarismos romanos para fins aritméticos (experimente multiplicar XXXIV por LXIII). A propósito, o primeiro capítulo de Alex no País dos Números é o 0...
Detalhe da capa de 'Alex no País dos Números'. Foto: Divulgação Em sua jornada, Bellos reúne vários argumentos em favor da tese de que os números são um artefato cultural, não uma aptidão inata. A exatidão numérica, argumentam especialistas, é uma construção simbólica. Damos respostas instantâneas para contar quantidades só até três ou quatro, mas daí em diante o cérebro demora a acertar - e muitas vezes erra. Isso porque o cérebro passa a trabalhar com aproximações. É a provável razão para que diversas culturas representem 1, 2 e 3 por uma, duas e três linhas (unidas ou não), e prefiram outros símbolos para números maiores. No inglês, thrice pode ser três vezes mas também pode ser muitas vezes. No francês, très é muito e trois, três. Muitas culturas, incluindo várias tribos indígenas, nunca foram além do 3 ou do 4. Não cunharam termos para 'exatamente 5' ou 'exatamente 9'. Privilegiaram as aproximações e as proporções. Em sua pesquisa, Bellos ouviu que a intuição humana, como a dos índios que só contam até 3, é logarítmica, não linear. É uma lógica que permite boas estimativas rápidas - como escolher a menor fila do supermercado. Só não ajuda muito na sala de aula.
Foto: Getty Images 'Seis não é perfeito porque Deus criou o mundo em seis dias; Deus é que aperfeiçoou o mundo em seis dias porque esse número é perfeito', escreveu no século IX o teólogo Rabanus Maurus. Do ponto de vista matemático, perfeitos são os números inteiros iguais à soma de seus próprios fatores. Seis é o primeiro da lista (1 + 2 + 3). Depois vem 28 (1 + 2 + 4 + 7 + 14), 496, 8.128 e o próximo da lista é só 33.550.336. Os números perfeitos já eram conhecidos dos gregos, e foi Euclides quem demonstrou sua relação com os números primos, dizendo que a 2n-1 X 2n - 1 será um número perfeito sempre que 2n - 1 for primo. Uma variação do número perfeito são os números sociais e os amigáveis. Amigável é um par de números em que a soma dos fatores de um é igual ao outro, como 220 e 284 (220 é divisível por 1,2,4,5,10,11,20,22,44,55 e 110, que somam 284, cujos fatores são 1,2,4,71 e 142, que somam... 220). Levou séculos até que se descobrisse um outro par de números amigáveis, o que coube ao célebre matemático francês Pierre de Fermat, que em 1636 encontrou os amigáveis 17296 e 18416. Números sociáveis seguem a mesma lógica, só que em 'turmas' maiores, em que cada membro é a soma dos fatores do seguinte.
Arte/VEJA Primo é o número natural (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 etc.) maior que 1 com só dois divisores: ele próprio e 1. Ou seja: 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17 etc. Há milênios Euclides demonstrou que a série é infinita. Mas isso não impediu que a caçada por primos cada vez maiores atravessasse os séculos. O desafio é que, quanto maior o primo, tantos mais números haverá para testá-lo. Para tanto, muitos matemáticos valeram-se de um método gerador de um certo tipo de número primo conhecido como primo de Mersenne, que equivale a 2n -1. Mas qual o n? Na era do lápis e papel, o primo mais alto conhecido era 2127-1. Atualmente, o recorde é 243112609 - 1, um numerão de quase 13 milhões de dígitos descoberto em 2008 por uma das primeiras redes bem sucedidas de computação compartilhada, em que várias máquinas conectadas pela internet 'racham' a conta. Aos interessados, há um prêmio de 250 milhões de dólares para quem achar um primo com 1 bilhão de dígitos. Mas não se apresse: os matemáticos já calcularam que isso só deve ocorrer por volta de 2025.
Foto: Paschoal Rodrigues Até a popularização do lápis e papel, os números eram comunicados por meio de intrincadas linguagens de sinais. No século 8, na Nortúmbria, território da atual Inglaterra, o teólogo Venerável Bede propôs um sistema de contagem que começava com os dedos da mão esquerda, para unidades e dezenas, e crescia de grandeza com o auxílio de movimentos das mãos até chegar em 1 milhão (reservando para o 90 mil uma imagem não muito casta: "agarre a virilha com a mão esquerda, com o polegar voltado para os genitais"). Já os Yupno, da Papua Nova Guiné, contam do 1 ao 33: começam no mindinho da mão esquerda, vão até 20 com o dedão do pé direito, chegam ao 30 no umbigo e terminam com o 33 no pênis. Os chineses até hoje conhecem uma técnica para contar até 9.999.999.999 tocando diferentes pontos de cada dedo da mão. "Dessa forma é possível contar todos os habitantes da Terra apenas com os dedos", escreve Bellos. "O que é uma forma de ter o mundo nas mãos."
Foto: Nasa Antigamente na Índia, números muito, muito grandes ou muito, muito pequenos eram uma questão ao mesmo tempo matemática e filosófica. Em um texto em sânscrito do século IV, Buda cunhou uma série de múltiplos de 100 que começa com koti (10 milhões) e termina com tallakshana, que é igual a um koti multiplicado 23 vezes por 100, ou, na notação moderna, 10 elevado a 53. Em seu livro, Bellos dá uma ideia do tamanho disso: equivale à medida do universo medido em metros elevada ao quadrado. E Buda foi além. Fala em outros seis sistemas progressivamente maiores e mais assustadores, sendo que o último termina em 10 elevado a 421. Outra comparação de Bellos: se multiplicarmos o número de átomos de todo universo por sua idade, medida segundo a menor unidade de tempo - o tempo de Planck, igual a um segundo dividido por 1043 -, chegaríamos a "apenas" 10140, o que ainda é absolutamente irrisório perto de 10421.
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Detalhe da capa de 'Alex no País dos Números'. Foto: Divulgação
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Livros com erros foram distribuídos a 39.732 classes multisseriadas da zona rural, que atendem 1,3 mi alunos (Oli Scarff/Getty Images)